Blocksize War, a guerra civil que definiu o funcionamento do Bitcoin
Produzido dia 19 de março de 2025

Escrito por Caio Leta
Principais pontos do Artigo
O que foi a Blocksize War? Um conflito interno entre 2015 e 2017 sobre o aumento do tamanho dos blocos do Bitcoin, que determinou o futuro da escalabilidade e descentralização da rede.
Big Blockers vs. Small Blockers Os big blockers defendiam blocos maiores para aumentar a capacidade transacional, enquanto os small blockers priorizavam a descentralização e a segurança da rede.
O papel dos mineradores e empresas Empresas como Bitmain e grandes mineradores tentaram influenciar o protocolo em favor de blocos maiores, mas foram derrotados pelos usuários que rodavam nós completos.
UASF: A Revolta dos Usuários O User Activated Soft Fork (UASF) demonstrou o poder dos operadores de nós, que rejeitaram blocos sem SegWit e forçaram a ativação da atualização sem a aprovação dos mineradores.
O Acordo de Nova York e seu fracasso Um grupo de empresas e mineradores tentou impor o SegWit2x, mas falhou por não ter o apoio da comunidade, reforçando que o Bitcoin não pode ser controlado por interesses corporativos.
A ascensão e queda do Bitcoin Cash Após a derrota dos big blockers, um grupo liderado por Roger Ver e Jihan Wu criou o Bitcoin Cash (BCH), um fork do Bitcoin com blocos de 8MB, mas que perdeu relevância ao longo dos anos.
SegWit e a escalabilidade do Bitcoin A vitória dos small blockers consolidou o Segregated Witness (SegWit), abrindo caminho para soluções de segunda camada, como a Lightning Network, em vez de aumentar o tamanho dos blocos.
O impacto na governança do Bitcoin A Blocksize War provou que os usuários que rodam nós completos são os verdadeiros responsáveis por decidir o futuro do Bitcoin, estabelecendo um modelo de governança resistente à captura corporativa.
___________________________________________________________________________________________________________________ Quem realmente controla o Bitcoin? Esta é uma das perguntas mais intrigantes do ecossistema cripto e frequentemente gera debates acalorados. Seriam os mineradores, com seu poder computacional massivo que mantém a rede segura e processam as transações? Ou as exchanges, que facilitam a entrada e saída de capital e influenciam significativamente os preços? Talvez os desenvolvedores do Bitcoin Core, que propõem e implementam atualizações no protocolo? Ou seriam os usuários individuais, que através de seus nós próprios verificam e validam independentemente cada transação, determinando quais regras aceitam seguir?A ambiguidade sobre quem realmente controla o Bitcoin culminou em um dos eventos mais significativos de sua história: a Guerra pelo Tamanho dos Blocos, ou "Blocksize War". Este conflito, que se desenrolou entre 2015 e 2017, foi essencialmente uma guerra civil dentro do ecossistema Bitcoin que testou os limites da governança descentralizada. Compreender as nuances deste evento histórico e sua resolução não apenas revela quem de fato tem poder de decisão sobre o protocolo, mas também ilumina a verdadeira natureza da descentralização do Bitcoin e seus mecanismos de governança.
Com isso em mente, o artigo de hoje não será focado nos acontecimentos atuais do mercado e se aprofundará na Blocksize War. Este artigo é baseado no livro "Blocksize War", do Jonathan Bier. Para uma compreensão mais completa do assunto, a leitura do livro é recomendada pois o artigo é uma simplificação dos principais pontos abordados nele.
O que foi a Blocksize War?
A Blocksize War foi um dos confrontos mais significativos na história do Bitcoin, ocorrido entre 2015 e 2017. Esta disputa ideológica e técnica centrou-se em uma questão aparentemente simples: o tamanho dos blocos da blockchain do Bitcoin deveria ser aumentado além do limite de 1MB? O debate, no entanto, revelou-se muito mais profundo, expondo visões fundamentalmente diferentes sobre o futuro do Bitcoin.
De um lado, estavam aqueles que defendiam o aumento do tamanho dos blocos, argumentando que isso permitiria mais transações por segundo e taxas mais baixas, tornando o Bitcoin mais acessível e prático para pagamentos cotidianos Eles eram conhecidos como os “big blockers”. Do outro lado, os "small blockers" defendiam a manutenção do limite de 1MB, argumentando que blocos maiores comprometeriam a descentralização da rede, pois aumentariam os requisitos de hardware para rodar um nó completo, potencialmente centralizando a validação em poucos participantes com recursos suficientes.
O resultado desta guerra definiu o DNA do Bitcoin como o conhecemos hoje. A vitória dos small blockers, culminando com a ativação do SegWit e o fracasso do fork SegWit2x (fork é, em poucas palavras, uma atualização do Bitcoin. Mais adiante no artigo, explicaremos este conceito de maneira mais aprofundada), estabeleceu princípios fundamentais: a priorização da descentralização sobre a escalabilidade na camada base, a importância da capacidade de usuários comuns rodarem nós completos, e a resistência da rede Bitcoin a mudanças que não tenham amplo consenso da comunidade. Esta batalha também demonstrou a resiliência do Bitcoin contra tentativas de captura por interesses corporativos e estabeleceu o precedente para como mudanças significativas no protocolo devem ser implementadas.
Os lados da Blocksize War
Big blockers
Os big blockers, como eram conhecidos os apoiadores do aumento do tamanho do bloco, defendiam que o Bitcoin deveria escalar primariamente na camada base, através do aumento do tamanho dos blocos. Para eles, o Bitcoin precisava manter taxas baixas e transações rápidas para ser adotado como meio de pagamento cotidiano, seguindo o que consideravam ser a visão original de Satoshi de um "sistema de pagamentos eletrônico peer-to-peer". Acreditavam que a adoção massiva do Bitcoin como meio de pagamento era crucial para seu sucesso a longo prazo.
Esta visão era fortemente apoiada por empresas do setor de pagamentos e mineradores, que viam o aumento do tamanho dos blocos como uma solução simples e direta para o problema da escalabilidade. Os big blockers argumentavam que o avanço da tecnologia permitiria que computadores comuns continuassem processando blocos maiores, e que a preocupação com a centralização era exagerada quando comparada à necessidade urgente de manter o Bitcoin competitivo como meio de pagamento.
Small blockers
Os small blockers, por outro lado, priorizavam a descentralização e segurança da rede sobre a capacidade imediata de transações. Eles argumentavam que aumentar o tamanho dos blocos levaria à centralização, pois elevaria os requisitos de hardware e banda para rodar um nó completo, potencialmente limitando a validação a um número menor de participantes com recursos suficientes. Para eles, a capacidade de usuários individuais verificarem independentemente todas as transações era fundamental para a proposta de valor do Bitcoin.
A visão dos small blockers era que a camada base do Bitcoin deveria permanecer o mais descentralizada possível, com a escalabilidade sendo alcançada através de soluções de segunda camada como a rede Lightning. Eles argumentavam que o Bitcoin não precisava competir diretamente com sistemas de pagamento centralizados em suas métricas de performance, pois sua verdadeira inovação estava em oferecer um sistema monetário resistente à censura e verdadeiramente descentralizado.
A diferença de visão entre eles
Esta diferença fundamental de visões refletia um debate mais profundo sobre a verdadeira natureza do Bitcoin. Por trás das discussões técnicas sobre tamanho de blocos, requisitos de hardware e soluções de escalabilidade, estava uma questão filosófica crucial: seria o Bitcoin primariamente um meio de pagamento que precisava competir com Visa e PayPal em termos de velocidade e custo, ou uma nova forma de dinheiro que precisava priorizar características como descentralização, censura-resistência e imutabilidade?
A resolução deste debate através da vitória dos small blockers definiu o Bitcoin como conhecemos hoje: uma rede base que prioriza segurança e descentralização, com soluções de segunda camada para pagamentos cotidianos. Esta arquitetura em camadas permitiu que o Bitcoin mantivesse suas características fundamentais de descentralização e resistência à censura na camada base, enquanto habilitava sistemas mais eficientes para pagamentos diários em camadas superiores, como a rede Lightning.
Esta decisão estabeleceu o Bitcoin mais como um "ouro digital" do que como um sistema de pagamentos puro, embora ainda mantenha ambas as capacidades através de diferentes camadas de sua arquitetura. A preferência por priorizar a descentralização e segurança sobre eficiência transacional imediata moldou não apenas o desenvolvimento técnico do Bitcoin, mas também sua narrativa predominante como reserva de valor digital e ativo monetário de última instância, em vez de apenas um sistema de pagamentos alternativo.
Principais participantes da Blocksize War
O Bitcoin Core
Os “Bitcoin Core developers” (ou Core devs) são o grupo de desenvolvedores que mantém o repositório principal do software Bitcoin Core, a implementação de referência do protocolo Bitcoin. Figuras proeminentes incluíam Wladimir van der Laan (mantenedor principal), Gregory Maxwell, Peter Wuille, Luke Dashjr, Peter Todd, e outros.
Estes desenvolvedores geralmente defendiam uma abordagem conservadora em relação a mudanças no protocolo, priorizando a descentralização e segurança sobre velocidade de transações. Esta postura os colocou em conflito direto com os big blockers, que os acusavam de deliberadamente limitar o crescimento do Bitcoin.
A narrativa dos big blockers frequentemente retratava os Core devs como um grupo centralizado bloqueando o progresso do Bitcoin. Eles argumentavam que o desenvolvimento do Bitcoin estava efetivamente controlado por um pequeno grupo que se recusava a implementar mudanças necessárias para o crescimento da rede. No entanto, esta narrativa ignorava a natureza fundamentalmente descentralizada do desenvolvimento do Bitcoin, onde qualquer mudança significativa requer consenso amplo da comunidade, não apenas dos desenvolvedores.
Um aspecto crucial da Blocksize War foi a tentativa dos big blockers de desafiar a autoridade percebida dos Core devs. Iniciativas como Bitcoin XT, Bitcoin Classic, e Bitcoin Unlimited foram tentativas de criar implementações alternativas do protocolo Bitcoin que não estariam sob o controle dos desenvolvedores do Core. O Acordo de Nova York e o SegWit2x podem ser vistos como tentativas da indústria de assumir maior controle sobre o desenvolvimento do protocolo.
O conflito essencialmente se resumia a uma luta pelo controle do processo de desenvolvimento do Bitcoin: manter o modelo existente baseado em consenso técnico e contribuições revisadas por pares, ou passar para um modelo mais cooperativo onde grandes empresas e mineradores teriam maior influência nas decisões de protocolo. A vitória eventual do modelo de desenvolvimento descentralizado foi crucial para manter a independência do Bitcoin de interesses corporativos.
Gavin Andresen
Gavin Andresen foi uma figura central nos primeiros anos do Bitcoin, sendo escolhido pelo próprio Satoshi Nakamoto como seu sucessor em 2010. Como principal mantenedor do Bitcoin Core e diretor da Bitcoin Foundation, Andresen liderou o desenvolvimento inicial do protocolo após o desaparecimento de Satoshi, ganhando enorme respeito e influência na comunidade Bitcoin durante os primeiros anos. Ele foi responsável por várias melhorias importantes no código e ajudou a estabelecer muitos dos processos de desenvolvimento que ainda são usados hoje.
Durante a Blocksize War, Andresen se posicionou fortemente a favor do aumento do tamanho dos blocos, argumentando que o Bitcoin precisava escalar para acomodar mais transações e manter taxas baixas. Ele foi um dos primeiros a propor aumentos no tamanho do bloco e apoiou ativamente o Bitcoin XT, uma implementação alternativa do Bitcoin que permitiria blocos maiores, desenvolvida em parceria com Mike Hearn. Sua posição era que o Bitcoin deveria priorizar seu uso como meio de pagamento, mesmo que isso significasse alguns compromissos em termos de descentralização.
A influência de Andresen começou a diminuir quando suas propostas de aumento do tamanho dos blocos encontraram forte resistência da comunidade técnica. Sua abordagem mais pragmática e focada em casos de uso comercial entrou em conflito com desenvolvedores que priorizavam a descentralização e segurança da rede. Este conflito ideológico levou a debates acalorados e eventualmente contribuiu para sua saída do papel de mantenedor principal do Bitcoin Core.
O golpe final em sua reputação veio com seu controverso apoio público a Craig Wright como sendo Satoshi Nakamoto em 2016. Esta decisão, que mais tarde se mostrou um erro quando as alegações de Wright foram amplamente desacreditadas, combinada com sua posição durante a Blocksize War, levou à perda de seu acesso ao repositório do Bitcoin Core e ao seu gradual afastamento da comunidade Bitcoin. O caso Andresen ilustra como mesmo uma das figuras mais respeitadas do ecossistema Bitcoin pode perder influência ao se posicionar contra o consenso da comunidade, demonstrando o poder da governança descentralizada do protocolo.
Imagem 1. Gavin Andresen, um dos principais desenvolvedores do início do Bitcoin.
A Blockstream
A Blockstream e seus principais representantes, incluindo Adam Back e Samson Mow, emergiram como figuras centrais na defesa dos blocos pequenos durante a Blocksize War. A empresa, fundada por desenvolvedores Bitcoin de longa data, defendia que a escalabilidade do Bitcoin deveria ocorrer através de soluções de segunda camada, como a rede Lightning, em vez de aumentos no tamanho dos blocos da cadeia principal.
Imagem 2. Blockstream, uma empresa small blocker
Adam Back, CEO da Blockstream e inventor do Hashcash (citado no whitepaper do Bitcoin), foi uma das vozes mais proeminentes contra o aumento do tamanho dos blocos. Ele argumentava que manter blocos pequenos era crucial para preservar a descentralização da rede, permitindo que usuários comuns continuassem operando nós completos. Back frequentemente se envolvia em debates técnicos detalhados nas redes sociais, defendendo que a descentralização não deveria ser comprometida em nome da escalabilidade.
Samson Mow, como CSO da Blockstream, adotou uma abordagem mais combativa e provocativa na defesa dos blocos pequenos. Suas críticas mordazes aos proponentes de blocos grandes, especialmente contra Roger Ver e Jihan Wu, ajudaram a galvanizar a comunidade small blocker, embora às vezes suas táticas agressivas nas redes sociais tenham sido criticadas por polarizar ainda mais o debate.
A Blockstream investiu significativamente no desenvolvimento de tecnologias que apoiavam sua visão de escalabilidade, como as Sidechains e a Liquid Network. A empresa argumentava que estas soluções permitiriam maior número de transações sem comprometer a descentralização da camada base do Bitcoin. Esta estratégia técnica estava alinhada com sua posição ideológica de que o Bitcoin deveria priorizar a descentralização e a segurança sobre a capacidade imediata de transações.
Os críticos da Blockstream frequentemente acusavam a empresa de ter conflitos de interesse, alegando que sua oposição ao aumento do tamanho dos blocos era motivada por interesses comerciais em soluções de segunda camada. No entanto, a posição da empresa acabou prevalecendo, com a ativação do SegWit e o fracasso do SegWit2x, validando sua visão de que a escalabilidade do Bitcoin deveria ocorrer através de camadas adicionais, mantendo a camada base o mais descentralizada possível.
Imagem 3. Adam Back e Samson Mow, dois dos principais nomes da Blockstream.
A Bitmain
A Bitmain, sob a liderança de Jihan Wu, foi um dos principais protagonistas da Blocksize War, exercendo influência significativa devido à sua posição dominante na fabricação de ASICs e controle de grandes pools de mineração. Como maior fabricante de equipamentos de mineração do mundo na época, a empresa tinha interesse direto em aumentar o tamanho dos blocos, argumentando que isso permitiria mais transações e, consequentemente, mais receitas com taxas para os mineradores.
Jihan Wu e a Bitmain foram fortes apoiadores do Bitcoin Cash (BCH), um fork do Bitcoin que aumentou o tamanho dos blocos para 8MB. A empresa não apenas apoiou publicamente o fork, mas também direcionou poder computacional significativo para a mineração do BCH e chegou a aceitar a nova criptomoeda como pagamento por seus equipamentos. Esta movimentação foi vista por muitos como uma tentativa de forçar a comunidade Bitcoin a aceitar blocos maiores, sob ameaça de migração de hashpower.
A estratégia da Bitmain incluiu também o apoio ao acordo de Nova York e à proposta SegWit2x. Wu argumentava que o aumento do tamanho dos blocos era necessário para a adoção em massa do Bitcoin e frequentemente entrava em embates públicos com desenvolvedores do Bitcoin Core e defensores dos blocos pequenos nas redes sociais. A empresa chegou a desenvolver e promover uma implementação alternativa do software Bitcoin chamada Bitcoin ABC.
No entanto, a resistência da comunidade Bitcoin, especialmente dos operadores de nós e desenvolvedores, provou ser mais forte que a influência dos mineradores. O fracasso do SegWit2x e a subsequente desvalorização do Bitcoin Cash demonstraram que nem mesmo o maior player da indústria de mineração tinha poder suficiente para forçar mudanças no protocolo sem amplo consenso da comunidade.
A aposta mal-sucedida no Bitcoin Cash, combinada com o crash do mercado cripto em 2018, contribuiu para significativas perdas financeiras da empresa. O episódio serviu como uma lição poderosa sobre os limites do poder dos mineradores no ecossistema Bitcoin e a importância da descentralização na governança do protocolo.
Imagem 4. Jihan Wu, fundador da Bitmain.
Pieter Wuille
Pieter Wuille desempenhou um papel crucial na Blocksize War, principalmente através de suas contribuições técnicas ao desenvolvimento do SegWit (Segregated Witness). Como principal autor da BIP141 que introduziu o SegWit, Wuille criou uma solução elegante que não apenas corrigiu a maleabilidade das transações, mas também permitiu um aumento efetivo da capacidade do bloco sem necessitar de um hard fork. Sua abordagem técnica meticulosa e sua capacidade de explicar conceitos complexos de forma clara ajudaram a construir consenso em torno desta solução.
Diferentemente de outras figuras proeminentes da guerra, Wuille manteve-se largamente afastado das discussões políticas e conflitos nas redes sociais, focando-se no desenvolvimento técnico e na educação da comunidade sobre as implicações técnicas das diferentes propostas de escalabilidade. Sua reputação como desenvolvedor altamente competente e sua abordagem não-confrontacional fizeram com que suas explicações técnicas sobre os riscos de blocos maiores e os benefícios do SegWit fossem respeitadas mesmo por alguns opositores, contribuindo significativamente para a eventual vitória da posição dos small blockers.
Imagem 5, Pieter Wuille, autor do BIP 141, que introduziu o SegWit no Bitcoin.
Peter Todd
Peter Todd foi uma das vozes mais contundentes e influentes durante a Blocksize War, adotando uma postura fortemente contrária ao aumento do tamanho dos blocos. Como desenvolvedor Bitcoin Core e pesquisador de criptografia, Todd frequentemente publicava análises técnicas detalhadas sobre os riscos de centralização que blocos maiores representariam para a rede. Ele foi particularmente vocal em apontar como aumentos no tamanho dos blocos poderiam comprometer a capacidade de usuários comuns rodarem nós completos, argumentando que isso levaria a uma perigosa centralização da validação.
Além de suas contribuições técnicas, Todd se destacou por sua abordagem direta e muitas vezes controversa nas redes sociais. Ele foi um dos primeiros a alertar sobre potenciais conflitos de interesse no setor de mineração, particularmente em relação à Bitmain, e não hesitava em confrontar publicamente apoiadores de blocos grandes. Todd também foi instrumental no desenvolvimento do conceito de Replace-by-Fee (RBF) e na argumentação de que o Bitcoin deveria priorizar a segurança e descentralização sobre a capacidade imediata de transações, influenciando significativamente o debate sobre o futuro do protocolo.
Imagem 6. Peter Todd
Luke Dashjr
Luke Dashjr se destacou na Blocksize War por manter uma das posições mais conservadoras entre todos os desenvolvedores do Bitcoin Core. Diferentemente da maioria dos small blockers que defendiam manter o limite de 1MB, Dashjr argumentava que os blocos deveriam ser ainda menores, chegando a propor um limite de 300KB. Sua argumentação baseava-se na premissa de que a rede Bitcoin deveria ser acessível até mesmo para usuários com conexões de internet muito limitadas, defendendo que a verdadeira descentralização significava que qualquer pessoa deveria poder rodar um nó completo, independente de sua localização ou recursos.
Como um dos desenvolvedores mais experientes do Bitcoin Core e reconhecido por seu profundo conhecimento técnico, Dashjr também contribuiu significativamente para o desenvolvimento do SegWit e outras melhorias técnicas. Sua postura inflexível sobre a importância da descentralização e suas análises técnicas detalhadas sobre os riscos de blocos maiores, embora consideradas extremas por alguns, ajudaram a estabelecer um contraponto importante no debate, lembrando constantemente a comunidade sobre a importância fundamental de manter a rede Bitcoin acessível para usuários individuais. Ele também foi notável por manter e operar um dos principais pools de mineração que sinalizavam explicitamente contra propostas de aumento do tamanho dos blocos.
Imagem 7. Luke Dashjr
A Toca do Dragão
A Toca do Dragão, ou Dragon's Den em inglês, era um canal privado no IRC (Internet Relay Chat) onde desenvolvedores Bitcoin Core e apoiadores dos blocos pequenos coordenavam estratégias de comunicação e discutiam táticas para influenciar o debate público durante a Blocksize War. O grupo incluía figuras proeminentes como Peter Todd, Luke Dashjr, e outros desenvolvedores e influenciadores alinhados com a visão small block, que se reuniam para discutir estratégias de comunicação e resposta aos argumentos dos big blockers.
Este grupo foi controverso após sua existência ser revelada, pois seus oponentes o acusavam de coordenar campanhas de manipulação da narrativa pública e ataques organizados contra defensores dos blocos grandes nas redes sociais. Apoiadores dos blocos grandes, como Roger Ver, frequentemente citavam o Dragon's Den como evidência de que havia uma conspiração coordenada para controlar o debate sobre a escalabilidade do Bitcoin.
Defensores do grupo argumentavam que o canal era simplesmente um espaço para discussões estratégicas e coordenação de mensagens para combater o que eles viam como desinformação promovida pelo campo dos big blockers. Eles destacavam que muitas das empresas e mineradores que apoiavam blocos maiores também coordenavam suas próprias estratégias de comunicação.
O Dragon's Den foi particularmente eficaz no uso estratégico de memes como ferramentas de comunicação e propaganda. O grupo entendeu o poder dos memes na formação da opinião pública, criando e disseminando conteúdo viral que ridicularizava as propostas de blocos grandes e seus principais defensores. A estratégia incluía a criação de narrativas fortes e facilmente compartilháveis que minavam a credibilidade de seus oponentes.
A existência e as táticas do Dragon's Den ilustram como a Blocksize War não foi apenas uma batalha técnica sobre parâmetros do protocolo, mas também uma guerra de narrativas e influência sobre a opinião pública da comunidade Bitcoin. O episódio destaca a importância da comunicação coordenada e do uso estratégico de memes em disputas sobre a governança de protocolos descentralizados, demonstrando como elementos aparentemente triviais podem ter um impacto significativo em debates técnicos e ideológicos complexos.
O legado do Dragon's Den na cultura Bitcoin permanece vivo através de diversos termos e conceitos que se tornaram parte fundamental do léxico da comunidade. Persistem expressões como "shitcoiner" para descrever apoiadores de altcoins, a narrativa de que "dinheiro é um jogo onde o vencedor leva tudo", e o conceito de "maximalismo tóxico" como uma necessária estratégia de defesa do protocolo. A ideia de que o Bitcoin precisa de "guerreiros meméticos" para defender sua integridade, assim como termos como "captura corporativa" e "hard fork controverso", continuam moldando debates sobre governança e desenvolvimento do Bitcoin. Até mesmo frases modernas como "have fun staying poor" seguem o modelo de comunicação estabelecido durante a Blocksize War.
Roger Ver
Roger Ver foi um dos primeiros evangelistas e investidores da criptomoeda. Como fundador da Memory Dealers, sua empresa foi uma das primeiras a aceitar Bitcoin como pagamento em 2011. Ver investiu mais de um milhão de dólares em várias startups pioneiras do ecossistema Bitcoin, incluindo BitPay, Blockchain.info, Ripple e Kraken, ajudando a construir a infraestrutura inicial do mercado cripto.
Durante os primeiros anos, Ver foi uma figura crucial na promoção e adoção do Bitcoin, frequentemente aparecendo na mídia e realizando apresentações ao redor do mundo. Sua capacidade de explicar o Bitcoin de forma simples e seu entusiasmo contagiante lhe renderam o apelido de "Bitcoin Jesus", e suas atividades de evangelização foram fundamentais para atrair novos usuários e investidores para o ecossistema.
Na Blocksize War, Ver se tornou um dos mais vocais defensores do aumento do tamanho dos blocos, argumentando que o Bitcoin deveria priorizar seu uso como meio de pagamento com taxas baixas. Após o fracasso do SegWit2x, ele se tornou um dos principais apoiadores do Bitcoin Cash, chegando a afirmar que este era o "verdadeiro Bitcoin" por seguir mais fielmente a visão original de Satoshi de um sistema de pagamentos eletrônicos peer-to-peer.
Esta mudança de posição transformou Ver de "Bitcoin Jesus" em uma figura controversa na comunidade, com muitos o apelidando de "Bitcoin Judas". Seu site Bitcoin.com e outras plataformas sob seu controle passaram a promover ativamente o Bitcoin Cash, gerando acusações de que ele estava tentando confundir novos usuários sobre qual era o "verdadeiro" Bitcoin.
Imagem 8. Roger Ver, que até o começo da Blocksize War era conhecido como "Bitcoin Jesus”por parte do ecossistema.
Craig Wrigth
Craig Wright é um empresário e cientista da computação australiano que ganhou notoriedade ao longo da Blocksize War ao alegar ser Satoshi Nakamoto, o criador do Bitcoin. Diferente de outros participantes importantes da Blocksize War, Wright não teve nenhum papel relevante nos primeiros anos do Bitcoin, surgindo apenas durante o período do conflito com suas alegações controversas de ser Satoshi.
Suas alegações ganharam atenção significativa quando Gavin Andresen, uma figura respeitada na comunidade Bitcoin, publicamente o apoiou. No entanto, Wright nunca conseguiu fornecer provas criptográficas definitivas de sua alegação, como assinar mensagens com as chaves privadas das primeiras carteiras Bitcoin conhecidas por pertencerem a Satoshi. Suas tentativas de "provar" sua identidade foram desmascaradas como tecnicamente falhas ou fraudulentas pela comunidade técnica. O respaldo de Andresen, ao invés de confirmar a identidade de Craig Wright como Satoshi Nakamoto, acabou apenas prejudicando a própria reputação de Andresen perante o resto da comunidade do Bitcoin.
O termo "Faketoshi" (uma combinação de "fake", que significa falso em inglês, e "Satoshi") surgiu como uma resposta da comunidade às suas alegações não comprovadas. Wright posteriormente se tornou um forte defensor do Bitcoin Cash e depois do Bitcoin SV (Satoshi Vision), alegando que estas implementações representavam a "verdadeira visão" do Bitcoin. Sua conduta controversa incluiu processar diversos membros da comunidade Bitcoin que o acusavam de fraude e fazer alegações cada vez mais extremas sobre sua suposta identidade como Satoshi.
A saga de Craig Wright é vista pela comunidade Bitcoin como um exemplo de tentativa de cooptação do protocolo através de manipulação da narrativa histórica. Suas ações durante e após a Blocksize War, incluindo processos judiciais contra desenvolvedores do Bitcoin e apoiadores de outras implementações, o transformaram em uma figura amplamente desacreditada no ecossistema cripto, simbolizando tentativas de centralizar o controle do protocolo através de meios legais e de manipulação da mídia.
Imagem 9. Craig Wrigth, autointitulado Satoshi Nakamoto e conhecido no ecossistema como Faketoshi
O Acordo de Nova Iorque
O Acordo de Nova Iorque (New York Agreement ou NYA) foi uma tentativa de compromisso em 2017 para resolver a Blocksize War em favor dos big blockers. O acordo propunha uma solução em duas etapas: primeiro ativar o SegWit, e depois realizar um hard fork para aumentar o tamanho do bloco para 2MB (conhecido como SegWit2x). A reunião foi organizada por Barry Silbert da Digital Currency Group e reuniu exclusivamente representantes da indústria Bitcoin.
Entre os participantes estavam Jihan Wu da Bitmain, Mike Belshe da BitGo, Erik Voorhees da ShapeShift, Peter Smith da Blockchain.com, Bobby Lee da BTCC, e Jeff Garzik, que se tornou o principal desenvolvedor do SegWit2x. O acordo conseguiu reunir um apoio significativo da indústria, incluindo as principais empresas de mineração como Bitmain e BitFury, grandes exchanges como Coinbase, processadores de pagamento como BitPay e Xapo, e provedores de carteiras como Blockchain.com e BitGo. No total, as 58 empresas signatárias representavam mais de 80% do hashrate da rede Bitcoin e possuíam mais de 5 bilhões de dólares por mês de volume on-chain, representando um total superior a 20 milhões de carteiras.
Significativamente, o acordo foi feito exclusivamente entre empresas e mineradores, sem qualquer representação de desenvolvedores do Bitcoin Core, operadores individuais de nós ou usuários finais do Bitcoin. O documento final do acordo sequer mencionava os usuários finais ou operadores de nós, focando apenas nos interesses comerciais dos participantes. Esta exclusão foi interpretada pela comunidade Bitcoin como uma tentativa clara da indústria de usurpar o controle do protocolo dos usuários, sintetizando o que estava realmente em jogo durante toda a Blocksize War: uma batalha pelo controle do Bitcoin entre interesses corporativos e usuários individuais.
O fracasso subsequente do NYA e do SegWit2x provou ser um momento decisivo na história do Bitcoin, estabelecendo firmemente que mudanças significativas no protocolo não poderiam ser impostas de cima para baixo apenas por mineradores e empresas, sem o amplo apoio da comunidade técnica e, mais importante, dos usuários que operam nós completos. Este episódio serviu como uma poderosa demonstração de que o Bitcoin não é controlado por ninguém, ou, em última análise, é controlado por seus usuários, não por empresas ou mineradores.
UASF
O UASF (User Activated Soft Fork, ou soft fork ativado pelos usuários) foi um momento decisivo na Blocksize War, representando uma demonstração de poder dos usuários do Bitcoin que operam nós completos. A proposta BIP148, conhecida como UASF, foi uma tentativa de forçar a ativação do SegWit através de uma ação coordenada dos operadores de nós, em vez de depender do apoio dos mineradores.
No contexto da época, apesar do SegWit ter amplo apoio da comunidade técnica, sua ativação estava sendo bloqueada por mineradores que favoreciam o aumento do tamanho dos blocos. O UASF propôs que, a partir de 1º de agosto de 2017, os nós que aderissem ao BIP148 passariam a rejeitar blocos que não sinalizassem suporte ao SegWit. Esta ação representava uma mudança fundamental na dinâmica de poder do Bitcoin, demonstrando que os usuários, através de seus nós, poderiam efetivamente forçar mudanças no protocolo mesmo sem o apoio inicial dos mineradores.
A mera ameaça do UASF teve um efeito profundo no debate. Ela demonstrou que os mineradores, apesar de seu poder computacional, não podiam ignorar a vontade dos usuários que validam transações através de nós completos. O risco de ter seus blocos rejeitados pela rede e, consequentemente, perder receitas de mineração, levou muitos mineradores a reconsiderarem sua posição. Este episódio estabeleceu um precedente importante na governança do Bitcoin, mostrando que o verdadeiro poder de decisão sobre o protocolo reside nos usuários que operam nós, não nos mineradores ou empresas.
A discussão sobre o UASF exemplifica perfeitamente a natureza única da governança do Bitcoin: não é quem tem mais hashrate ou mais capital que decide os rumos do protocolo, mas sim os usuários que escolhem qual software rodar em seus nós. Como Pieter Wuille disse: "Os usuários escolhem em última análise qual software querem rodar. Uma fork só tem sucesso se os usuários a aceitam".
O sucesso do UASF na ativação do SegWit representou uma vitória fundamental para a soberania do usuário no Bitcoin. Ele estabeleceu que mudanças no protocolo devem surgir do consenso bottom-up da comunidade, não de decisões top-down de mineradores ou empresas. Este princípio continua sendo uma das características mais importantes da governança do Bitcoin até hoje.
Imagem 10. Boné do UASF usado como marketing de guerrilha pelos small blockers.
SegWit
O SegWit (Segregated Witness) foi um soft fork do protocolo Bitcoin proposto como solução para o problema da maleabilidade das transações e, simultaneamente, como uma forma de aumentar a capacidade efetiva dos blocos sem aumentar seu tamanho nominal de 1MB. A maleabilidade das transações era um problema técnico que permitia a modificação do identificador de uma transação (txid) sem invalidá-la, causando problemas para soluções de segunda camada como a rede Lightning.
A implementação do SegWit conseguiu resolver estas questões ao "segregar" (separar) as assinaturas ("witness data") do resto dos dados da transação. Além de resolver a maleabilidade, esta reorganização dos dados permitiu um aumento efetivo do tamanho do bloco para até 4MB em teoria, embora na prática o tamanho médio dos blocos com SegWit tenha ficado em torno de 2MB. Esta solução foi considerada elegante por muitos desenvolvedores por conseguir aumentar a capacidade da rede sem necessitar de um hard fork.
A ativação do SegWit em agosto de 2017 marcou um momento decisivo na Blocksize War, representando a vitória da abordagem dos desenvolvedores do Core que defendiam soluções técnicas mais conservadoras e cautelosas. O SegWit não apenas melhorou a escalabilidade do Bitcoin e viabilizou o desenvolvimento da rede Lightning, mas também estabeleceu um precedente importante sobre como mudanças significativas no protocolo deveriam ser implementadas: através de soft forks que mantém compatibilidade com versões anteriores e requerem amplo consenso da comunidade.
SegWit 2x
O SegWit2x foi uma proposta que surgiu como parte do Acordo de Nova York em 2017, tentando estabelecer um compromisso entre as diferentes visões para o Bitcoin durante a Blocksize War. A proposta consistia em implementar o SegWit (Segregated Witness) e, após três meses, realizar um hard fork para aumentar o tamanho do bloco para 2MB. Esta solução tentava satisfazer tanto os defensores dos blocos pequenos, que queriam o SegWit, quanto os defensores dos blocos grandes, que demandavam maior capacidade transacional.
O acordo teve apoio significativo da indústria, com mais de 50 empresas assinando o compromisso, incluindo mineradoras que representavam mais de 80% do hashrate da rede. No entanto, foi notável a ausência dos desenvolvedores do Bitcoin Core e de grande parte da comunidade técnica.
O SegWit2x acabou sendo cancelado em novembro de 2017, dias antes de sua implementação planejada, devido à falta de consenso e ao risco percebido de uma divisão prejudicial da rede. Este fracasso marcou efetivamente o fim da Blocksize War, consolidando a vitória da visão dos small blockers e estabelecendo um precedente importante: mudanças significativas no protocolo Bitcoin não podem ser impostas apenas por empresas e mineradores, sem o amplo apoio da comunidade técnica e dos usuários que operam nós completos.
A rede Lightning
A rede Lightning emergiu como uma proposta técnica crucial durante a Blocksize War, representando a visão dos small blockers de que a escalabilidade do Bitcoin deveria ser alcançada através de soluções de segunda camada, em vez de aumentos no tamanho dos blocos. Inicialmente proposta por Joseph Poon e Thaddeus Dryja em 2015, a rede Lightning oferecia uma solução elegante para o problema da escalabilidade sem comprometer a descentralização da rede principal.
O momento em que a proposta foi apresentada foi particularmente significativo, pois surgiu no auge dos debates sobre escalabilidade. Enquanto os big blockers argumentavam que aumentar o tamanho dos blocos era a única maneira de permitir que o Bitcoin escalasse para uso global, a rede Lightning demonstrou que era possível alcançar milhões de transações por segundo através de canais de pagamento fora da camada base do Bitcoin, mantendo a segurança da blockchain do Bitcoin como camada de liquidação.
Um aspecto crucial do desenvolvimento da rede Lightning foi sua dependência da correção da maleabilidade das transações do Bitcoin, um problema que foi resolvido pela implementação do SegWit. Esta interdependência técnica fortaleceu significativamente o argumento dos small blockers, pois mostrava um caminho claro e tecnicamente viável para a escalabilidade que não requeria comprometer a descentralização da rede base. A ativação do SegWit em 2017 não apenas resolveu a maleabilidade das transações, mas também abriu caminho para o desenvolvimento prático da rede Lightning.
O sucesso inicial da rede Lightning teve um impacto profundo no debate sobre escalabilidade. Ela demonstrou que era possível alcançar transações instantâneas e com taxas extremamente baixas sem sacrificar a descentralização da camada base do Bitcoin. Isto ajudou a validar a visão dos small blockers de que o Bitcoin poderia funcionar como um sistema de liquidação descentralizado e seguro na camada base, enquanto suportava pagamentos rápidos e baratos em camadas superiores.
A evolução da rede Lightning após a Blocksize War tem continuamente validado esta abordagem em camadas para a escalabilidade do Bitcoin. O crescimento constante da rede, tanto em número de nós quanto em capacidade de canais, demonstra que a visão dos small blockers sobre escalabilidade era não apenas teoricamente sólida, mas também praticamente viável. A rede Lightning hoje representa uma prova viva de que o Bitcoin pode escalar sem comprometer seus princípios fundamentais de descentralização.
As Altcoins
A Blocksize War teve uma influência significativa na proliferação de altcoins entre 2015 e 2017, pois as limitações percebidas no Bitcoin durante este período incentivaram o desenvolvimento de alternativas. Muitos dos principais defensores dos blocos grandes, frustrados com sua derrota no debate, acabaram migrando para projetos alternativos ou criando suas próprias criptomoedas. O período coincidiu com o boom dos ICOs (Initial Coin Offerings), onde muitos projetos levantaram capital prometendo resolver os problemas que o Bitcoin estava enfrentando. A narrativa de que o Bitcoin era "muito lento" ou "muito inflexível" para evoluir foi frequentemente usada para justificar a necessidade de tokens alternativos, e vários ex-apoiadores dos blocos grandes se tornaram promotores ativos destes novos projetos.
Por exemplo, Mike Hearn, após o fracasso do Bitcoin XT, passou a trabalhar no projeto R3 Corda. Gavin Andresen, depois de perder sua influência no desenvolvimento do Bitcoin Core, começou a apoiar projetos alternativos. Roger Ver, um dos mais vocais big blockers, não apenas promoveu o Bitcoin Cash como "o verdadeiro Bitcoin", mas também investiu pesadamente em várias altcoins através de sua plataforma Bitcoin.com.
Jihan Wu, co-fundador da Bitmain e forte defensor de blocos grandes, depois se envolveu com o desenvolvimento do TRON e outros projetos. Calvin Ayre, que apoiava ativamente o Bitcoin Cash, posteriormente financiou o desenvolvimento do Bitcoin SV junto com Craig Wright. Jeff Garzik, que foi um desenvolvedor ativo do Bitcoin Core e depois apoiou o SegWit2x, lançou o Metronome (MET) e fundou a Bloq, uma empresa focada em desenvolvimento blockchain.
Vitalik Buterin, embora não fosse exatamente um big blocker, estava frustrado com as limitações do Bitcoin e as dificuldades de implementar mudanças no protocolo, o que o levou a criar o Ethereum. Daniel Larimer, que participou ativamente dos debates sobre escalabilidade, foi criar BitShares, Steem e posteriormente EOS. Embora ele não fosse um participante direto da Blocksize War, sua crítica às limitações do Bitcoin o levou a desenvolver protocolos alternativos. A frustração de desenvolvedores e empresas com o processo de desenvolvimento do Bitcoin durante a Blocksize War levou muitos a criarem seus próprios projetos. Várias altcoins surgiram prometendo governança "melhor" ou "mais eficiente", com diferentes mecanismos para tomar decisões sobre mudanças no protocolo. Projetos como Dash, por exemplo, implementaram sistemas de governança on-chain como resposta direta às dificuldades observadas durante a Blocksize War.
Essa migração dos big blockers para projetos alternativos acabou validando um argumento central dos small blockers: muitos defensores do aumento dos blocos pareciam mais interessados em oportunidades comerciais do que na preservação da descentralização do Bitcoin. O fato de que vários líderes do movimento dos blocos grandes eventualmente lançaram suas próprias criptomoedas ou se envolveram com projetos blockchain corporativos sugere que suas posições durante a Blocksize War eram motivadas não apenas por preocupações técnicas, mas também por interesses comerciais.
Esta migração em massa para altcoins e projetos blockchain proprietários revelou uma divisão mais profunda no ecossistema Bitcoin. Não se tratava apenas de uma disputa técnica sobre parâmetros do protocolo, mas de visões fundamentalmente diferentes sobre o propósito do Bitcoin. Enquanto os small blockers priorizavam a descentralização e resistência à censura acima da eficiência transacional, muitos big blockers pareciam mais alinhados com uma visão corporativa da tecnologia blockchain, onde aspectos como velocidade e custo de transação superavam preocupações com descentralização. O destino destes atores após a Blocksize War serve como um importante registro histórico das verdadeiras motivações por trás do conflito.
Os forks que surgiram por conta da Blocksize War
Ao longo da Blocksize War diversos forks do Bitcoin surgiram. Aqui vamos explicar sucintamente os principais.
Mas primeiro, o que é um fork? Um fork do Bitcoin é uma bifurcação da blockchain original, criando uma nova criptomoeda com suas próprias regras e características. Os forks podem ocorrer quando há discordância na comunidade sobre mudanças no protocolo, resultando em uma divisão onde a cadeia original continua existindo enquanto uma nova cadeia segue um caminho diferente.
Bitcoin XT O Bitcoin XT foi lançado em 2015 por Mike Hearn e Gavin Andresen como a primeira tentativa significativa de realizar um fork o Bitcoin para aumentar o tamanho dos blocos. A proposta inicial era aumentar o limite para 8MB, com um plano de crescimento gradual posterior. O XT também incluía outras mudanças controversas, como a substituição do sistema de relay de transações e alterações no processo de substituição de taxas (RBF).
O projeto inicialmente ganhou alguma tração, chegando a ser rodado por cerca de 1.000 nós completos, mas começou a perder suporte rapidamente. O golpe final veio quando Mike Hearn publicou um post polêmico declarando o Bitcoin como um "experimento fracassado" e vendeu todas suas moedas de Bitcoin, abandonando o projeto. Este evento marcou o primeiro grande fracasso de uma tentativa de aumentar o tamanho dos blocos e estabeleceu um precedente importante para os conflitos futuros.
Bitcoin Classic O Bitcoin Classic surgiu no início de 2016 como uma alternativa mais moderada às propostas anteriores de aumento do tamanho dos blocos. Diferentemente do Bitcoin XT, que propunha um aumento para 8MB, o Classic adotou uma abordagem mais conservadora, sugerindo um aumento para apenas 2MB. Esta proposta mais modesta atraiu apoio significativo de partes importantes do ecossistema, incluindo Coinbase, OKCoin, Bitstamp e várias mineradoras. O projeto foi liderado por desenvolvedores como Gavin Andresen, Jeff Garzik e Peter Rizun, que argumentavam que um aumento modesto para 2MB seria um compromisso razoável que poderia unir a comunidade.
No entanto, apesar de sua proposta mais moderada e do apoio inicial significativo, o Bitcoin Classic enfrentou forte resistência dos desenvolvedores do Core e defensores dos blocos pequenos. Eles argumentavam que mesmo um aumento modesto para 2MB representaria riscos desnecessários para a descentralização da rede. O projeto gradualmente perdeu tração ao longo de 2016, especialmente após o surgimento de outras propostas como o Bitcoin Unlimited e, posteriormente, o SegWit. O fracasso do Bitcoin Classic em alcançar consenso suficiente para sua implementação demonstrou que a divisão na comunidade Bitcoin não era apenas sobre o tamanho específico dos blocos, mas sobre filosofias fundamentalmente diferentes sobre o futuro do protocolo.
Bitcoin Unlimited O Bitcoin Unlimited surgiu em 2016 com uma proposta mais radical: em vez de definir um tamanho máximo de bloco fixo, permitiria que mineradores e operadores de nós configurassem seus próprios limites. Esta abordagem "emergente" de consenso foi apoiada por grandes mineradores, particularmente a Bitmain e seu CEO Jihan Wu, além de Roger Ver, que se tornou um dos principais defensores do projeto.
No entanto, o Bitcoin Unlimited sofreu diversos problemas técnicos sérios, incluindo bugs que causaram falhas em nós e instabilidade na rede. O mais notório ocorreu em março de 2017, quando um bug crítico forçou vários nós a ficarem offline simultaneamente. Estes problemas técnicos, combinados com a falta de suporte dos desenvolvedores do Bitcoin Core, acabaram minando a credibilidade do projeto como uma alternativa viável ao Bitcoin original.
Bitcoin Cash O Bitcoin Cash (BCash ou BCH) representa o fork mais significativo e duradouro do Bitcoin, ocorrido em agosto de 2017. Liderado por Roger Ver, Jihan Wu e outros proponentes de blocos grandes, o BCH foi criado com blocos de 8MB, posteriormente aumentados para 32MB. Seus defensores argumentavam que esta era a verdadeira implementação da visão original de Satoshi Nakamoto de um "sistema de pagamentos eletrônico peer-to-peer".
Apesar de um início promissor e suporte significativo da indústria, o Bitcoin Cash gradualmente perdeu relevância no mercado. A diminuição do hashrate, a falta de adoção significativa para pagamentos e conflitos internos (que eventualmente levaram a outros forks como o Bitcoin SV) contribuíram para seu declínio relativo. No entanto, o BCH continua sendo o fork mais bem-sucedido do Bitcoin em termos de longevidade e capitalização de mercado, mesmo que represente uma fração muito pequena do valor do Bitcoin original.
Bitcoin Satoshi Vision O Bitcoin SV (Satoshi Vision) surgiu em 2018 como um fork do Bitcoin Cash, representando uma fase posterior da Blocksize War. Liderado por Craig Wright e Calvin Ayre, o BSV aumentou drasticamente o tamanho dos blocos para 128MB, posteriormente expandindo ainda mais. Este fork é particularmente relevante pois demonstra como as disputas sobre o tamanho dos blocos continuaram mesmo após a aparente resolução da Blocksize War original, e como fragmentaram ainda mais a comunidade que defendia blocos maiores.
A importância real da disputa
A Blocksize War foi muito além de uma simples disputa técnica sobre o tamanho dos blocos - ela representou uma batalha fundamental pela natureza e futuro do Bitcoin. Esta guerra definiu aspectos cruciais que moldaram o Bitcoin como o conhecemos hoje:
Primeiro, estabeleceu que o Bitcoin é primariamente uma reserva de valor digital que prioriza descentralização e segurança sobre eficiência transacional imediata. A vitória dos small blockers consolidou a visão do Bitcoin como "ouro digital" em vez de um sistema de pagamentos competindo com Visa/Mastercard, com escalabilidade sendo desenvolvida em camadas adicionais como a rede Lightning.
Segundo, a guerra demonstrou como o Bitcoin é verdadeiramente descentralizado em sua governança. A tentativa de empresas e mineradores de impor mudanças através do Acordo de Nova York falhou, provando que nem mesmo os atores mais poderosos do ecossistema podem forçar mudanças sem amplo consenso da comunidade. O poder dos usuários individuais que rodam nós completos em resistir a mudanças indesejadas foi definitivamente estabelecido.
Terceiro, a guerra estabeleceu precedentes importantes sobre como mudanças no protocolo devem ser implementadas: através de soft forks com amplo consenso da comunidade, não por hard forks impostos por grupos específicos. Este modelo de governança continua influenciando como o Bitcoin evolui tecnicamente até hoje.
Por fim, a Blocksize War representou uma vitória crucial da descentralização sobre a centralização corporativa, estabelecendo o Bitcoin como um ativo verdadeiramente resistente à captura por interesses específicos. Esta característica é fundamental para sua proposta de valor como dinheiro neutro e independente.
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Escrito por Caio Leta

