Como a DeepSeek é bullish para o Bitcoin?
Produzido dia 5 de fevereiro de 2025

Escrito por Caio Leta
Pontos Principais do artigo:
A DeepSeek, startup chinesa, lançou o R1, um modelo de IA de código aberto que rivaliza com o o1, modelo mais avançado da OpenAI em capacidade, mas com custos muito menores. Diferente dos modelos estado-da-arte anteriores, que eram todos fechados, o R1 pode ser executado localmente sem custos.
O lançamento provocou uma queda superior a US$1 trilhão no valor de mercado das principais empresas de tecnologia americanas, conhecidas como "Magnificent Seven"(Mag7), questionando a premissa de dominância americana em inovação tecnológica para o longo prazo.
A alocação de capital em reservas de valor funciona como um jogo de soma zero - o dinheiro que vai para um ativo deixa de ir para outro. A concentração atual em ações de tecnologia americanas alcançou níveis similares à bolha das ponto.com e uma reversão desta tendência parece inevitável.
O evento DeepSeek pode marcar um ponto de inflexão na confiança das Mag7 como reserva de valor, potencialmente beneficiando ativos alternativos como ouro e Bitcoin, que oferecem características únicas de preservação de valor.
A revolução da inteligência artificial tem alcançado marcos significativos nos últimos anos, com avanços constantes vindos principalmente das gigantes de tecnologia americanas. No entanto, um desenvolvimento recente da China abalou não apenas o mercado de IA, mas também colocou em questão premissas fundamentais sobre a dominância tecnológica dos Estados Unidos.
Em janeiro de 2025, a DeepSeek, uma empresa chinesa relativamente desconhecida, lançou seu modelo de IA R1, demonstrando capacidades técnicas comparáveis aos modelos mais avançados da OpenAI, mas com custos operacionais drasticamente menores. Este evento não apenas causou uma perda superior a US$ 1 trilhão em valor de mercado das principais empresas de tecnologia americanas em um único dia, mas também levantou questões importantes sobre a concentração do mercado global em ações das chamadas "Magnificent Seven" (Mag7).
Para entender o impacto profundo deste desenvolvimento no mercado financeiro global e suas implicações para diferentes classes de ativos, precisamos primeiro examinar o papel da DeepSeek, a natureza de suas inovações e como isso pode afetar a percepção dos investidores sobre as principais reservas de valor disponíveis atualmente.
Quem é a DeepSeek?
A DeepSeek é uma empresa de desenvolvimento de IA baseada em Hangzhou, China. A empresa foi fundada por Liang Wenfeng, graduado pela Universidade de Zhejiang, em maio de 2023. Wenfeng também co-fundou a High-Flyer, um fundo hedge quantitativo chinês que possui a DeepSeek. Atualmente, a DeepSeek opera como um laboratório de pesquisa de IA independente sob o guarda-chuva da High-Flyer. O valor total do financiamento e a avaliação da DeepSeek não foram divulgados publicamente.
A DeepSeek concentra-se no desenvolvimento de LLMs (“Large Language Model", ou Modelo de Linguagem Grande, em português, que são essas IAs que geram texto a partir de comandos) de código aberto. O primeiro modelo da empresa foi lançado em novembro de 2023. A empresa fez várias iterações em seu LLM principal e desenvolveu diferentes variações. A empresa fornece múltiplos serviços para seus modelos, incluindo uma interface web, aplicativo móvel e acesso via API, no entanto, foi apenas em janeiro de 2025, após o lançamento de seu modelo de raciocínio R1, que a empresa se tornou mundialmente famosa.
O que é o DeepSeek R1 e por que ele foi tão impactante?
A indústria de inteligência artificial sempre operou sob a premissa de que criar modelos de linguagem avançados exigia investimentos bilionários, tanto em recursos financeiros quanto tecnológicos. Esta crença estava tão arraigada no inconsciente coletivo do setor que levou o governo americano, sob a administração Trump, a se comprometer a alocar até US$ 500 bilhões no ambicioso Projeto Stargate.
No entanto, essa percepção foi completamente abalada pela DeepSeek. A empresa chinesa revolucionou o mercado ao disponibilizar, em 20 de janeiro de 2025, seu modelo R1 com custos operacionais drasticamente menores que seus competidores. Além disso, a decisão de tornar o código aberto e gratuito amplificou seu impacto no setor.
O modelo DeepSeek-R1 supera o o1 em aspectos cruciais como codificação e progressões lógicas, utilizando apenas uma fração dos recursos computacionais estimados (OpenAI e a Anthropic, empresa responsável pela IA denominada Claude, não revelam muitas informações sobre isso) e custos operacionais segundo benchmarks especializados, como a própria DeepSeek publicou em seu perfil no X. Adicionalmente, o R1 é código aberto, ou seja, podemos rodar nós mesmos o modelo sem pagar ninguém. Até então, os modelos estado-da-arte lançados por outras empresas como a OpenIA e a Anthropic eram todos fechados.
Imagem 1. Comparação do DeepSeek R1 e R1 32B com o Chat GPT o1 1217 e o1 mini, além da versão anterior da IA da Deepseek, a V3. Fonte: Tweet da empresa DeepSeek.
O impacto da divulgação do DeepSeek R1 foi imediato: o aplicativo rapidamente alcançou o topo dos mais baixados na App Store dos Estados Unidos, e o anúncio causou um tremor no mercado de tecnologia. As principais empresas do setor, incluindo Microsoft, OpenAI, Nvidia, Google, Meta e Amazon, sofreram uma perda conjunta superior a US$ 1 trilhão em valor de mercado em um único dia (27 de janeiro). A Nvidia, gigante da fabricação de processadores e chips, foi particularmente afetada, perdendo sozinha US$ 600 bilhões em valor de mercado.
Imagem 2. Variação da cotação das ações da Nvidia na Nasdaq entre o dia 21 de janeiro e 04 de fevereiro. O gap de baixo observado entre no dia 27 de janeiro foi causado pelo lançamento da IA DeepSeek R1.
A ascensão meteórica da DeepSeek, oferecendo gratuitamente um modelo de linguagem mais avançado, não apenas desafia o domínio ocidental na área de IA, mas também redefine as regras do jogo na corrida tecnológica global. Este desenvolvimento acendeu uma série de alertas para a OpenAI e outras gigantes do setor, sinalizando uma possível mudança no equilíbrio de forças no mercado de inteligência artificial.
Quais as diferenças entre ele e o Chat GPT?
A DeepSeek provocou uma mudança significativa no cenário de IA ao demonstrar capacidades técnicas comparáveis aos modelos mais avançados da OpenAI, revertendo a percepção anterior de que empresas chinesas estavam tecnologicamente atrasadas em relação às americanas neste setor.
Os dois chatbots da DeepSeek e da OpenAI são sistemas de IA que utilizam LLMs, ou seja, são treinados para entender e gerar texto de forma parecida com a dos humanos, auxiliando em tarefas como pesquisa, escrita, brainstorming de ideias e codificação. O modelo R1 também chamou atenção por sua eficiência de custos, sendo 20 a 50 vezes mais barato de operar que o modelo o1 da OpenAI.
Inicialmente eu confesso que eu não levei muito a sério este anúncio da DeepSeek e estava achando que o mercado estava exagerando na reação. O principal fator que me levou a pensar assim foi um ceticismo (natural e saudável) em relação a qualquer dado que saia da China. Entretanto, conforme eu fui vendo diversas pessoas especialistas em IA, como o Breno Brito, cientista de dados da Bipa, ou mesmo o Sam Altman, CEO da OpenIA, que tweetou “o R1 da DeepSeek é um modelo impressionante, principalmente pelo que eles conseguem oferecer pelo preço”, eu percebi que existia muita substância por trás das manchetes. Então mesmo que talvez os custos não sejam realmente os declarados, ainda existe muita substância no DeepSeek R1.
As inovações do DeepSeek
O DeepSeek usa uma abordagem diferente para treinar seus modelos R1 em comparação com a que se acredita que é utilizada pela OpenAI. O treinamento envolveu menos tempo, menos aceleradores de IA e menor custo de desenvolvimento. O objetivo da DeepSeek, assim como o da maioria das empresas do setor, é alcançar a inteligência artificial geral (AGI), e os avanços da empresa em capacidades de raciocínio representam um progresso significativo no desenvolvimento de IA.
Em um artigo de pesquisa publicado pela empresa, a DeepSeek descreve as múltiplas inovações que desenvolveu como parte do modelo R1, incluindo:
Aprendizado por reforço: A DeepSeek utilizou uma abordagem nova de aprendizado por reforço em larga escala focada em tarefas de raciocínio.
Engenharia de recompensas: Os pesquisadores desenvolveram um sistema de recompensas baseado em regras para o modelo que supera os modelos neurais de recompensa mais comumente usados. A engenharia de recompensas é o processo de projetar o sistema de incentivos que guia o aprendizado de um modelo de IA durante o treinamento.
Destilação: Usando técnicas eficientes de transferência de conhecimento, os pesquisadores da DeepSeek conseguiram comprimir capacidades em modelos com apenas 1,5 bilhão de parâmetros com menos perda de qualidade.
Rede de comportamento emergente: A inovação de comportamento emergente da DeepSeek é a descoberta de que padrões complexos de raciocínio podem se desenvolver naturalmente através do aprendizado por reforço sem programação explícita.
Por que o DeepSeek assustou o mercado americano?
O DeepSeek R1 e as suas inovações está causando alarmes nos EUA por várias razões, incluindo:
Disrupção de custos. A DeepSeek afirma ter desenvolvido seu modelo R1 por menos de US$ 6 milhões, número contestado por outros players da indústria como por exemplo por David Sacks, o Conselheiro de Inteligência Artificial e Cripto do governo Trump. Se for real este custo, o desenvolvimento de baixo custo ameaça o modelo de negócio das empresas de tecnologia americanas que investiram bilhões em IA. O DeepSeek também é mais barato para os usuários do que a OpenAI.
Conquista técnica apesar das restrições. A exportação dos chips aceleradores de IA e GPUs de maior desempenho dos EUA é restrita para a China. No entanto, mesmo assim, a DeepSeek demonstrou que o desenvolvimento de IA de ponta é possível sem acesso à tecnologia americana mais avançada. Aqui também é necessário bastante ceticismo pois a DeepSeek pode ter usado chips modernos e estar escondendo esse fato por motivos óbvios (evitar sanções do governo americano), visto que eles não deveriam ter acesso a estes chips.
Ameaça ao modelo de negócio. Em contraste com a OpenAI, que é uma tecnologia proprietária, o DeepSeek é de código aberto e gratuito, desafiando o modelo de receita das empresas americanas que cobram taxas mensais por serviços de IA. Neste sentido, a própria Meta já tem um modelo de LLM chamado Llama que é código aberto, então este fato por si só não geraria tamanho trauma no mercado.
Preocupações geopolíticas. Por estar baseada na China, a DeepSeek desafia a dominância tecnológica dos EUA em IA. O investidor de tecnologia Marc Andreessen chamou isso de "momento Sputnik" da IA, comparando-o com o avanço soviético na corrida espacial nos anos 1950.
Por que isso importa para o Bitcoin?
Nessa altura, você deve estar se perguntando “Ok, mas e por que isso tudo importa para o Bitcoin?”.
De uma forma direta, isso importa bem pouco. O avanço das IAs não afeta necessariamente a capacidade delas de quebrar criptografia e, portanto, elas não representam um risco.
De uma forma indireta, entretanto, o desdobrar deste evento pode significar a perda de parte da confiança em uma das principais reservas de valor utilizadas pelo mercado tradicional: as ações das Big Tech americanas.
Para nos aprofundar na conexão entre o lançamento do DeepSeek R1 e o Bitcoin, primeiro vamos falar brevemente sobre a importância da confiança para se realizar investimentos, depois vamos comentar sobre quais são as principais reservas de valor no mundo atualmente para depois mostrar como a concentração do mercado acionário global em ações das Big Techs americanas representa um risco para a alocação nessa classe de ativos.
O papel da confiança nos investimentos
A confiança em uma tese de investimento é como uma estrutura que se constrói tijolo por tijolo, através de pesquisa profunda, análise detalhada e compreensão genuína do ativo ou estratégia escolhida. Este processo de construção de convicção é fundamental porque é justamente nos momentos de maior volatilidade e incerteza que essa confiança será testada. Sem uma base sólida de conhecimento e entendimento, o investidor tende a tomar decisões emocionais que podem comprometer seus objetivos de longo prazo.
O desenvolvimento dessa confiança geralmente envolve meses ou até anos de estudo, observação do comportamento do mercado, análise de diferentes cenários e, muitas vezes, pequenas posições iniciais que permitem ao investidor vivenciar na prática suas teorias. Estes anos de estudo geram percepções de macrotendências que embasam diversas teses de investimento. É um processo que demanda paciência, pois envolve não apenas entender os fundamentos do investimento, mas também como ele se comporta em diferentes condições de mercado e como se relaciona com outros ativos do portfólio.
No entanto, é surpreendente como essa confiança construída ao longo de tanto tempo pode ser severamente abalada em questão de dias ou até horas. Um único evento inesperado, uma mudança regulatória abrupta ou uma notícia negativa impactante podem fazer com que anos de convicção sejam questionados em instantes. Novos fatos podem mudar percepções e, no limite, podem até mesmo alterar macrotendências que os investidores julgavam sólidas para o longo prazo.
É nesses momentos que se torna evidente a importância de ter construído uma base sólida de conhecimento: investidores que baseiam suas decisões em pesquisa profunda e entendimento genuíno têm maior probabilidade de manter a calma e avaliar racionalmente se o evento realmente invalida sua tese original ou se representa apenas uma turbulência temporária.
As principais reservas de valor do mundo
Uma reserva de valor é um ativo que mantém seu poder de compra ao longo do tempo, resistindo à inflação e a outras formas de deterioração monetária. É um instrumento que permite aos investidores preservar riqueza através de diferentes ciclos econômicos e crises, funcionando como uma espécie de âncora para o patrimônio. A característica fundamental de uma boa reserva de valor é sua capacidade de manter poder aquisitivo relativo no longo prazo, mesmo que apresente volatilidade no curto prazo.
Em um cenário ideal, a poupança funcionaria como uma verdadeira reserva de valor, permitindo que as pessoas guardassem o fruto de seu trabalho para uso futuro sem perda de poder aquisitivo. Entretanto, vivemos em um mundo onde a inflação é uma constante, corroendo sistematicamente o valor do dinheiro ao longo do tempo. Como resultado, os poupadores são forçados a se tornarem investidores, buscando alternativas que não apenas preservem, mas também façam seu capital crescer para compensar a desvalorização da moeda. Isso significa que, em vez de simplesmente guardar dinheiro, as pessoas precisam aprender sobre mercado financeiro, entender diferentes classes de ativos e assumir riscos que, em um sistema monetário mais sólido, não seriam necessários.
Atualmente, os títulos da dívida americana (especialmente os Treasury Bonds) são considerados a principal reserva de valor global, devido à força econômica e militar dos Estados Unidos e ao papel do dólar como moeda de reserva mundial e estima-se que cerca de US$300 trilhões estão investidos nestes títulos.
Os imóveis em localizações privilegiadas, conhecidos como imóveis troféus, também são tradicionalmente vistos como excelentes reservas de valor, pois tendem a preservar ou aumentar seu valor real ao longo do tempo, além de gerarem renda através de aluguéis. O valor do mercado imobiliário é de cerca de US$330 trilhões, sendo que uma parcela significativa deste valor é relacionado a investidores que não sabiam onde alocar seu capital e por isso resolveram comprar um segundo ou terceiro imóvel.
A arte tem servido historicamente como uma forma sofisticada de reserva de valor, especialmente para pessoas de alto patrimônio. Obras de artistas renomados não apenas mantêm seu valor ao longo do tempo, mas frequentemente se apreciam, oferecendo proteção contra inflação e instabilidade econômica. No entanto, este mercado apresenta desafios únicos, como a necessidade de expertise para avaliação, custos de armazenamento e segurança, além de baixa liquidez quando comparado a outros ativos. Atualmente estima-se que cerca de US$18 trilhões estão alocados em diversas obras de artes pelo mundo.
Em seguida, temos o ouro, que há milênios serve como reserva de valor e ainda mantém sua relevância, especialmente em momentos de incerteza econômica. Apesar do seu vasto histórico, o valor de mercado do ouro é significativamente menor do que o mercado imobiliário e de títulos de dívida soberanas e possui um patamar próximo ao do mercado da arte, com cerca de US$18 trilhões alocados.
Mais recentemente, as empresas conhecidas como "Magnificent Seven" ou "Mag7" (Apple, Microsoft, Google, Amazon, Nvidia, Meta e Tesla) emergiram como um novo acrônimo para representar as melhores ações de tecnologia da Nasdaq, sucedendo as antigas FAANGs (Facebook/Meta, Apple, Amazon, Netflix e Google) que dominaram o mercado na década anterior. Estas sete empresas de tecnologia chegaram a representar mais de 30% do valor total do índice S&P 500, um nível de concentração sem precedentes na história do mercado acionário americano. Combinando dominância de mercado, forte geração de caixa e vantagens competitivas sustentáveis, estas empresas se tornaram relativamente resilientes a ciclos econômicos, embora apresentem maior volatilidade que reservas de valor tradicionais como títulos governamentais.
As Mag7 se consolidaram como uma das principais reservas de valor do mercado global, rivalizando com ativos tradicionais como ouro e títulos governamentais. Investidores globais têm tratado estas ações como uma espécie de "porto seguro tecnológico", confiando na combinação de suas vantagens competitivas, forte geração de caixa e liderança em inovação.
Imagem 3. Ilustração de onde está alocado o capital do mundo. Fonte: Tweet do Jesse Myers
Concentração do mercado americano na perspectiva global
A altíssima concentração de capital em ações de tecnologia americanas carrega consigo uma premissa implícita: a de que inovações verdadeiramente disruptivas serão sempre originárias dos Estados Unidos, particularmente do Vale do Silício. Esta crença estava tão profundamente enraizada que justificava, aos olhos dos investidores, precificações estratosféricas e uma alocação desproporcional de capital em um número relativamente pequeno de empresas americanas.
As Mag7 alcançaram um nível de concentração sem precedentes nos principais índices americanos, representando mais de 30% do S&P 500 e aproximadamente 45% do Nasdaq-100. Esta concentração extraordinária se baseia em algumas premissas implícitas do mercado: que estas empresas manterão sua dominância em seus respectivos setores, que continuarão liderando a revolução tecnológica (especialmente em IA), e que suas vantagens competitivas são suficientemente fortes para justificar múltiplos de mercado elevados.
No entanto, esta concentração traz riscos significativos: pressupõe que as Big Techs continuarão imunes à regulação antitruste, que manterão suas margens de lucro extraordinárias mesmo com crescente competição, e que sua capacidade de inovação permanecerá superior à de concorrentes emergentes. Historicamente, concentrações similares em índices de mercado frequentemente precederam períodos de reversão à média, onde a diversificação do mercado aumentou significativamente.
O surgimento do DeepSeek expôs uma fragilidade fundamental na narrativa de que as Mag7 continuarão liderando a revolução tecnológica sozinhas. A empresa chinesa demonstrou que é possível desenvolver tecnologia de ponta em inteligência artificial com uma fração dos recursos utilizados pelas gigantes americanas, e ainda disponibilizá-la em código aberto. Este evento serviu como um catalisador para uma reavaliação dramática da precificação das Big Techs americanas, pois confrontou o mercado com uma realidade incômoda: a inovação tecnológica não é um monopólio americano.
Esta constatação pode marcar um ponto de inflexão na forma como o mercado avalia empresas de tecnologia globalmente. Se a premissa de exclusividade americana na inovação disruptiva está incorreta, então a extrema concentração de capital em empresas americanas pode não ser justificável. Este questionamento põe em xeque não apenas as precificações atuais, mas também a lógica por trás da composição dos principais índices e fundos globais de tecnologia, que historicamente privilegiaram empresas americanas em detrimento de competidores internacionais.
Para concluir o pensamento, vamos analisar a bolha das ações no final de tecnologia americanas no final dos anos 90 conhecida como a bolha das ponto.com, período que também foi marcado por uma extrema concentração de capital nas ações americanas relacionadas a tecnologia.
A bolha das ponto.com
A bolha das ponto.com foi um período de euforia especulativa que ocorreu entre 1995 e 2000, quando o mercado de ações experimentou uma valorização explosiva de empresas relacionadas à internet e tecnologia. Durante este período, o índice Nasdaq, que concentra ações de tecnologia, subiu mais de 580%, impulsionado pela crença de que a internet revolucionaria completamente a forma como os negócios operavam e que qualquer empresa com ".com" no nome seria inevitavelmente bem-sucedida.
Esta bolha foi caracterizada por avaliações de mercado extraordinariamente altas para empresas que muitas vezes não tinham sequer um modelo de negócios viável ou qualquer perspectiva de lucro no curto prazo. Investidores, temendo ficar de fora da "nova economia", despejavam dinheiro em IPOs de empresas de internet sem análise adequada dos fundamentos. A mentalidade dominante era que métricas tradicionais como lucro e fluxo de caixa não eram mais relevantes na era digital, e que o crescimento de usuários e participação de mercado eram os únicos indicadores importantes.
O estouro da bolha começou em março de 2000 e nos dois anos seguintes o índice perdeu aproximadamente 78% de seu valor. Muitas empresas ponto.com faliram ou viram suas ações se tornarem praticamente sem valor. Esta crise serviu como um importante lembrete de que fundamentos básicos de negócios como receita, lucro e fluxo de caixa continuam sendo cruciais, mesmo em setores inovadores. Curiosamente, algumas empresas que sobreviveram a este período, como Amazon, posteriormente se tornaram gigantes globais, validando parcialmente a visão de que a internet de fato transformaria a economia, embora não na velocidade e forma que os investidores da época imaginavam.
Imagem 4. Gráfico comparativo entre o S&P 500, o Dow Jones Industrial e a Nasdaq, onde a bolha das ponto.com ocorreu. Fonte: Modern Wealth Management
A concentração atual do mercado acionário em empresas de tecnologia americanas atingiu níveis comparáveis ao auge da bolha das ponto.com, com as Mag7 representando uma parcela desproporcional da capitalização de mercado global. Esta concentração extrema reflete uma crença implícita do mercado de que as inovações tecnológicas significativas continuarão sendo um monopólio americano, uma premissa que o desenvolvimento do DeepSeek R1 pode ter provado equivocada. Então o estágio atual de concentração do mercado nas Big Techs americanas pode representar um momento tão perigoso quanto a fase da euforia das ponto.com entre 1999 e início de 2000.
Imagem 5. Gráfico que mostra o quanto o mercado acionário global está concentrado nas grandes ações de crescimento americanas, tradicionalmente conhecidas como Big Techs. Fonte: Topdown Charts
O surgimento de empresas inovadoras em outros países, como demonstrado recentemente pelo caso DeepSeek na China, pode forçar uma reavaliação desta premissa. Investir pesadamente apenas no Nasdaq hoje equivale a apostar que o resto do mundo permanecerá tecnologicamente subordinado aos Estados Unidos, ignorando o potencial de inovação de outras regiões. Esta concentração pode representar não apenas um risco de precificação, mas também um ponto cego estratégico, pois o próximo grande avanço tecnológico pode muito bem vir de fora do Vale do Silício. Uma diversificação geográfica mais ampla em tecnologia pode se tornar não apenas uma estratégia de redução de risco, mas uma necessidade para capturar o valor real da inovação global.
A competição por capital é um jogo de soma zero
A alocação de capital em diferentes reservas de valor funciona como um jogo de soma zero, onde recursos direcionados para um ativo necessariamente deixam de ser alocados em outros. Quando investidores globais escolhem manter seu capital em ações das Mag7, por exemplo, esse mesmo capital não está sendo direcionado para ouro, Bitcoin ou títulos governamentais. Esta dinâmica cria uma competição constante entre diferentes classes de ativos pela preferência dos investidores como reserva de valor.
Entretanto, o investimento nas Mag 7 podem estar chegando a um ponto de inflexão crucial. Sinais recentes, como preocupações crescentes com regulação antitruste, questionamentos sobre múltiplos de avaliação elevados e potenciais limites ao crescimento futuro, começam a abalar a confiança dos investidores nestas empresas como reserva de valor de longo prazo. O grau de concentração do mercado acionário como um todo nessas ações, com números que lembram o da bolha das ponto.com acendem um sinal de alerta. Além disso, o surgimento de tecnologias disruptivas de IA desenvolvidas por competidores, como a DeepSeek na China, adiciona uma camada extra de incerteza sobre a capacidade destas empresas manterem sua dominância tecnológica.
À medida que esta confiança diminui, é natural que o capital busque alternativas mais tradicionais ou emergentes para preservação de valor. O ouro, uma reserva de valor histórica, e o Bitcoin, frequentemente chamado de "ouro digital", podem se beneficiar deste movimento, recebendo fluxos de capital que anteriormente teriam sido direcionados para as Big Techs. Esta realocação não acontece de forma abrupta, mas através de um processo gradual de mudança nas percepções e preferências dos investidores globais sobre quais ativos oferecem a melhor combinação de segurança e potencial de valorização no longo prazo. Em outras palavras, não estamos descrevendo um processo de semanas e sim uma macrotendência de anos.
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Escrito por Caio Leta


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