Os BRICS, suas fontes energéticas e sua interface com a mineração de bitcoin
Produzido dia 9 de janeiro de 2025

Escrito por Caio Leta
(Artigo originalmente publicado no dia 26 de novembro de 2024 no Bipa Insights, o Substack da Bipa.)
A interseção entre geopolítica e Bitcoin tem ganhado destaque sem precedentes, especialmente após as recentes discussões nos Estados Unidos sobre a possibilidade de transformar o Bitcoin em ativo de reserva estratégica nacional. Esta narrativa ganhou força particularmente após a ampla vitória eleitoral de Trump e demais candidatos republicanos pró-Bitcoin ao senado e à câmara americana, o que garantiu a maioria para os republicanos e a possibilidade de aprovar diversas medidas favoráveis ao Bitcoin e seu ecossistema.
Paralelamente, a Rússia sempre foi uma localidade favorável à mineração de Bitcoin e, desde o início do conflito com a Ucrânia, vem se tornando cada vez mais um player significativo na mineração, utilizando-a como ferramenta para monetizar seu excedente energético e, potencialmente, como mecanismo para contornar sanções internacionais.
Além da Rússia, outros países dos BRICS, principal bloco econômico do dito “sul global” e que busca competir com a hegemonia econômica e geopolítica dos Estados Unidos e seus aliados, também vem “molhando o pé” e começando a explorar as possibilidades e oportunidades que a mineração de bitcoin representa para eles.
No Bipa Insights de hoje, deixaremos a questão do bitcoin se tornar um ativo de reserva estratégica de lado e abordaremos especialmente como diversos países adotarão a mineração de bitcoin sob uma perspectiva econômica e geopolítica.
Os principais blocos econômicos do mundo
O G7
O G7 (Grupo dos Sete) é formado pelas principais economias industrializadas do mundo: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Japão. Este grupo representa aproximadamente 45% do PIB mundial e historicamente tem exercido forte influência na governança econômica global, definindo agendas em áreas como comércio internacional, política monetária e desenvolvimento sustentável. Estabelecido na década de 1970 em resposta à crise do petróleo e ao colapso do sistema Bretton Woods, o G7 se tornou um fórum crucial para coordenação de políticas econômicas e financeiras globais. O bloco mantém forte influência sobre instituições internacionais como o Banco Mundial e o FMI, e suas decisões frequentemente moldam políticas globais em questões como mudanças climáticas, segurança internacional e desenvolvimento tecnológico, embora sua representatividade global venha sendo questionada com a ascensão de economias emergentes, especialmente os países dos BRICS.
Imagem 1. Países membros do G7 em azul e países que são membros da União Européia, mas que não são países membros do G7 individualmente em verde.
Os BRICS
O termo "BRIC" foi originalmente cunhado em 2001 por Jim O'Neill, então economista-chefe do Goldman Sachs, em um relatório intitulado "Building Better Global Economic BRICs". O'Neill identificou Brasil, Rússia, Índia e China como as economias emergentes que teriam o potencial de alterar significativamente o panorama econômico global nas décadas seguintes, devido ao seu rápido crescimento econômico, grandes populações e abundância de recursos naturais.
O que começou como um termo acadêmico e de investimento logo se transformou em uma aliança geopolítica real. Em 2006, os ministros destes países começaram a se reunir informalmente, e em 2009 foi realizada a primeira cúpula oficial dos BRIC em Ecaterimburgo, Rússia. Em 2010, a África do Sul foi convidada a juntar-se ao grupo, adicionando o "S" ao acrônimo e tornando-se BRICS. Desde então, o grupo tem se fortalecido como uma força alternativa à ordem econômica ocidental dominante, buscando maior representatividade nos organismos internacionais e desenvolvendo instituições próprias, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). A mais recente expansão ocorreu em 2024, quando Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos foram aceitos como novos membros, marcando a maior expansão do grupo desde sua criação.
Imagem 2. Países que são membros dos BRICS atualmente.
Para ilustrar porque a comparação entre os países do G7 e dos BRICS tem se tornado cada vez mais comum, basta observar a evolução do PIB destes dois blocos econômicos.
Imagem 3. PIB dos países do G7 em azul e PIB dos países que compõe os BRICS em vermelho.
O potencial energético dos blocos econômicos
O potencial energético do G7
Os países do G7 apresentam uma posição contrastante em termos de produção e reservas de combustíveis fósseis. Os Estados Unidos, após a revolução do xisto, se tornaram o maior produtor mundial de petróleo e gás natural, embora suas reservas sejam significativamente menores quando comparadas a países como Rússia e Arábia Saudita. O Canadá se destaca por suas vastas reservas de areias betuminosas em Alberta, que representam a terceira maior reserva provada de petróleo do mundo, embora a extração seja mais cara e ambientalmente controversa. O Reino Unido e a Noruega (embora esta não seja do G7) têm explorado recursos no Mar do Norte, mas enfrentam declínio natural na produção. Já Alemanha, França, Itália e Japão são altamente dependentes de importações de combustíveis fósseis, com reservas domésticas limitadas - a Alemanha possui algumas reservas de carvão, mas tem reduzido sua exploração devido a compromissos climáticos. Esta configuração de recursos explica, em parte, a vulnerabilidade energética de vários membros do G7 e sua dependência de importações, especialmente de gás natural e petróleo, o que frequentemente influencia suas decisões geopolíticas e relações internacionais.
Em relação às energias limpas, os países do G7 apresentam diferentes potenciais e níveis de desenvolvimento em energias limpas. Os Estados Unidos lideram em inovação e capacidade instalada em vários setores: possui uma robusta indústria nuclear (embora envelhecida), significativa produção hidroelétrica, e é um dos líderes mundiais em energia solar e eólica, com destaque para os parques eólicos do Texas e os campos solares da Califórnia. A França se destaca por sua matriz energética fortemente nuclear, que representa cerca de 70% de sua geração elétrica, com um dos programas nucleares mais bem-sucedidos do mundo. O Canadá possui uma das matrizes energéticas mais limpas do G7, com vasta produção hidroelétrica graças aos seus numerosos rios e quedas d'água, além do crescente desenvolvimento em energia eólica. O Japão, apesar do incidente de Fukushima ter impactado seu programa nuclear, mantém investimentos significativos em energia solar e desenvolvimento de tecnologias de hidrogênio verde. A Alemanha, após decidir abandonar a energia nuclear (Energiewende), tem investido massivamente em energia solar e eólica, embora enfrente desafios de intermitência e armazenamento. O Reino Unido tem se destacado na energia eólica offshore, aproveitando seu potencial marítimo, enquanto a Itália possui um notável potencial geotérmico e solar em desenvolvimento. No entanto, todos estes países enfrentam o desafio comum de equilibrar a intermitência das fontes renováveis com a necessidade de fornecimento constante de energia.
O potencial energético dos BRICS
Os BRICS representam um extraordinário conjunto de potências energéticas globais, cada uma com recursos significativos e complementares. A Rússia se destaca como uma superpotência energética, sendo um dos maiores produtores mundiais de petróleo e gás natural, além de possuir vastas reservas de carvão. O Brasil possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com predominância de energia hidrelétrica, além de crescente produção de petróleo após as descobertas do pré-sal e grande potencial em energias renováveis como solar e eólica. A China, embora seja o maior consumidor de energia do mundo, possui significativas reservas de carvão e lidera globalmente a produção de energia solar e eólica. A Índia, com suas extensas reservas de carvão e crescente investimento em energias renováveis, especialmente solar, emerge como um player cada vez mais relevante. A África do Sul, rica em carvão e com potencial significativo para energia solar, complementa este quadro. Os novos membros adicionam ainda mais peso a este conjunto: a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são potências petrolíferas globais, enquanto o Irã possui algumas das maiores reservas de gás natural do mundo.
Imagem 4. Os BRICS estão se tornando a nova OPEP e atualmente possuem cerca de 40% da produção de barris de petróleo e gás natural do mundo (fonte: Rystad Energy / https://www.rystadenergy.com/news/brics-expansion-to-widen-the-renewable-energy-gap)
Imagem 5. Principais fontes de energia nos diversos países que compõe os BRICS. (fonte: Global Energy Monitor / https://globalenergymonitor.org/report/energy-in-the-brics/)
Adicionalmente, diversos países do BRICS como o Brasil, a Arábia Saudita, o Egito e os Emirados Árabes Unidos possuem um grande potencial de geração de energia solar. De fato, o potencial de geração solar, eólico e via hidroelétricas é até maior que o potencial de geração de energia via combustíveis fósseis nos países dos BRICS, o que pode surpreender muitos leitores.
Imagem 6. Novos projetos de geração de energia que ainda não foram implementados pelos países dos BRICS mostram uma forte tendência para a energia solar e eólica (especialmente onshore). (fonte: Global Energy Monitor / https://globalenergymonitor.org/report/energy-in-the-brics/)
G7 vs. BRICS
Os BRICS e o G7 apresentam perfis energéticos marcadamente distintos e complementares. Enquanto o G7 possui tecnologia avançada e infraestrutura consolidada, especialmente em energia nuclear (com destaque para França e EUA) e eólica offshore (Reino Unido), os BRICS detêm vantagens significativas em recursos naturais e potencial de geração. A Rússia possui as maiores reservas de gás natural do mundo e vastos recursos petrolíferos; o Brasil lidera em capacidade hidroelétrica e potencial de expansão em energias renováveis; a China, embora seja grande consumidora de carvão, é líder global em produção de equipamentos e instalação de energia solar e eólica; a Índia possui enorme potencial solar ainda subexplorado; e os novos membros como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos dominam o mercado de petróleo. Diferentemente do G7, que depende fortemente de importações de energia (exceto EUA e Canadá), os BRICS são majoritariamente exportadores líquidos de energia, com abundância de recursos naturais e crescente capacidade tecnológica em energias renováveis. Esta configuração sugere que, enquanto o G7 mantém liderança em inovação e tecnologias estabelecidas, os BRICS possuem vantagens competitivas em recursos naturais e potencial de expansão energética, especialmente em novas tecnologias renováveis e combustíveis fósseis.
Esta riqueza em recursos energéticos de diversas origens confere aos BRICS uma posição estratégica única no cenário geopolítico global. E como todo bitcoiner sabe, a mineração de bitcoin possui uma grande interface com o setor de energia como um todo. Então, a seguir, vamos falar sobre a relação de países do BRICS com o bitcoin e sua mineração.
1- Países dos BRICS com envolvimento positivo com a mineração de bitcoin
Rússia: Apesar de ser um grande produtor de energia, antes de 2022 a Rússia nunca havia se destacado como um dos principais polos de atividade da mineração de bitcoin.
A invasão russa à Ucrânia em 2022 desencadeou uma série de sanções internacionais contra a Rússia, incluindo sua exclusão do sistema financeiro global e restrições comerciais significativas, especialmente no setor energético (óleo e gás). Como resposta ao uso do dólar como arma geopolítica, diversos países, incluindo China, Rússia, Irã e Arábia Saudita, começaram a buscar alternativas à moeda americana para suas transações internacionais. Neste contexto, a Rússia encontrou na mineração de bitcoin uma solução estratégica, tornando-se a segunda maior minerador mundial, com capacidade de 1 GW (dados de abril de 2023). Esta movimentação permite ao país não só monetizar sua energia ociosa, mas também acessar um sistema financeiro não censurável, contornando assim as sanções impostas com a banimento do país do sistema de pagamentos internacionais (SWIFT). O Banco Central russo passou a desenvolver uma legislação específica para uso de criptomoedas em comércio exterior, evidenciando uma adaptação pragmática às novas circunstâncias geopolíticas.
Irã: O Irã possui uma relação pragmática com o Bitcoin, tendo reconhecido oficialmente a mineração como indústria em 2019, atraindo mineradores devido à sua eletricidade barata. Contudo, limitações na infraestrutura elétrica levaram a restrições temporárias, como o banimento da mineração entre maio e setembro de 2021 devido a apagões. O país tem utilizado estrategicamente as criptomoedas, especialmente em parceria com a Rússia, como ferramenta para contornar sanções internacionais e reduzir a dependência do dólar americano em transações internacionais, aproveitando-se da natureza descentralizada e difícil rastreabilidade das criptomoedas.
Etiópia: A Etiópia está emergindo como um potencial hub para mineração de bitcoin na África devido a seus abundantes recursos de energia renovável, especialmente hidroelétrica, com a Grande Barragem da Renascença Etíope (GERD) tendo capacidade para gerar até 6.450 megawatts de energia. Em novembro de 2023, o governo etíope lançou uma política oficial para mineração de bitcoin, estabelecendo diretrizes para licenciamento de mineradores e exigindo que eles usem energia renovável em suas operações. A decisão estratégica de atrair mineradores de bitcoin alinha-se com os objetivos do país de monetizar seu excesso de capacidade energética e atrair investimentos estrangeiros, embora o país ainda enfrenta desafios significativos em termos de infraestrutura e estabilidade política.
Emirados Árabes Unidos:
Os Emirados Árabes Unidos têm se posicionado estrategicamente no cenário de mineração de bitcoin, aproveitando sua abundante energia proveniente do petróleo e gás natural, além de condições favoráveis para negócios. Dubai, em particular, tem se destacado como um hub de mineração de criptomoedas, com o governo implementando regulamentações específicas para o setor através da Virtual Assets Regulatory Authority (VARA). Empresas como a Phoenix Group têm realizado investimentos significativos em operações de mineração na região, incluindo a construção de uma das maiores fazendas de mineração do Oriente Médio. A iniciativa dos EAU de abraçar a mineração de bitcoin faz parte de uma estratégia mais ampla de diversificação econômica para além do petróleo, aproveitando sua infraestrutura avançada e ambiente regulatório favorável para atrair empresas do setor de tecnologia blockchain, embora o calor extremo da região apresenta desafios técnicos para as operações de mineração.
2- Países dos BRICS com envolvimento negativo com a mineração de bitcoin
China:
A relação da China com o Bitcoin tem sido marcada por uma postura historicamente adversarial, com múltiplas tentativas de restrição desde 2013. Apesar disso, o país dominou a mineração global até 2021, chegando a concentrar 70% do hashrate em 2019. O banimento da mineração em 2021 foi um ponto de virada significativo, mas a natureza descentralizada da atividade permitiu sua persistência no país. Recentemente, observa-se uma possível suavização desta postura adversarial, evidenciada pela aprovação de um ETF de bitcoin em Hong Kong - território que, embora autônomo, opera sob forte influência de Pequim - sugerindo uma potencial mudança na estratégia chinesa em relação ao Bitcoin.
3- Países dos BRICS sem um envolvimento claro com a mineração de bitcoin:
Índia A Índia mantém uma relação complexa e ambivalente com a mineração de bitcoin. Apesar de possuir um grande potencial energético e uma robusta infraestrutura tecnológica, o país tem adotado uma postura cautelosa em relação às criptomoedas em geral. O governo indiano tem demonstrado preocupação com o alto consumo de energia associado à mineração de bitcoin, especialmente considerando os desafios do país em fornecer energia estável para sua grande população. Embora não haja uma proibição explícita da mineração de bitcoin, a falta de clareza regulatória, combinada com altos custos de eletricidade e um imposto de 30% sobre ganhos com criptomoedas, tem desencorajado o estabelecimento de grandes operações de mineração no país. No entanto, existe uma comunidade ativa de mineradores de pequena escala, principalmente em regiões com excedente energético ou acesso a fontes de energia renovável mais baratas.
Brasil O Brasil poderia emergir como um participante interessante no cenário global de mineração de bitcoin, impulsionado principalmente por sua matriz energética predominantemente renovável e preços competitivos de energia hidrelétrica. O país possui o potencial para atrair mineradores internacionais, seja pelo excedente energético no Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste relacionados à energia hidroelétrica, seja pelo excedente gerado pela energia eólica no Nordeste.
Além disso, o ambiente regulatório brasileiro tem se mostrado relativamente receptivo ao setor, com a aprovação do Marco Legal das Criptomoedas em 2022, que, embora não aborde especificamente a mineração, proporciona maior segurança jurídica para o setor como um todo.
Entretanto, o chamado “custo Brasil” representa um desafio significativo para a importação das máquinas específicas da mineração e as incertezas geradas pela insegurança jurídica também afastam investidores.
África do Sul A África do Sul tem uma relação peculiar com a mineração de bitcoin, caracterizada por um potencial significativo mas limitado por desafios estruturais. O país, que possui uma das economias mais desenvolvidas do continente africano e um setor financeiro sofisticado, enfrenta uma severa crise energética, com frequentes apagões e racionamento de energia pela estatal Eskom, o que naturalmente impacta o desenvolvimento da mineração de bitcoin em larga escala. Apesar disso, existe uma crescente comunidade de mineradores de pequeno e médio porte, que têm buscado alternativas energéticas, como energia solar, para contornar os problemas de fornecimento de eletricidade. O ambiente regulatório sul-africano tem se mostrado relativamente aberto às criptomoedas, com o país sendo um dos primeiros na África a estabelecer diretrizes para o setor, embora a mineração ainda opere em uma área regulatória cinzenta. A combinação de uma infraestrutura financeira desenvolvida com os desafios energéticos crônicos cria um cenário onde a mineração de Bitcoin existe, mas não consegue atingir seu pleno potencial.
Egito O Egito mantém uma relação cautelosa e restritiva com a mineração de bitcoin e criptomoedas em geral. O país, que enfrenta desafios significativos em seu setor energético e depende fortemente de combustíveis fósseis, tem adotado uma postura conservadora em relação à mineração de bitcoin, com autoridades religiosas até mesmo declarando a prática como contrária à lei islâmica. Em 2021, o governo egípcio implementou regulamentações mais rígidas contra criptomoedas, efetivamente proibindo a mineração de bitcoin sem licenças específicas. Apesar de possuir potencial para energia solar devido à sua localização geográfica, o país tem priorizado o uso de seus recursos energéticos para desenvolvimento industrial e necessidades básicas da população. No entanto, existe um mercado informal de mineração, operando principalmente em pequena escala e de forma discreta, embora as autoridades periodicamente realizem operações para coibir estas atividades não autorizadas.
Resumidamente, já existem diversos países com posições favoráveis ao desenvolvimento de estratégias para a utilização do Bitcoin no BRICS. Acredito que essa é uma tendência que seguirá se ampliando, uma vez que existem 2 ótimos motivos para um país querer se envolver na mineração de bitcoin.
Quais motivos? Vejamos abaixo.
Motivações para um país se envolver com o Bitcoin
Existem três formas que um país pode se envolver com o Bitcoin: 1) compra direta do ativo bitcoin para uso como ativo de reserva estratégica, 2) uso da mineração de bitcoin para monetização de energia ociosa e 3) mineração de bitcoin como hedge anti-sanções.
Como dito no início do texto, aqui não vamos nos aprofundar com a questão do uso do bitcoin como ativo de reserva estratégica. Uma visão simplificada sobre o assunto é: hoje em dia são mineradas aproximadamente 450 BTCs por dia, então para um país acumular o máximo de moedas possíveis, é desejável comprar diretamente o ativo.
Como o escopo deste texto é lidar com a mineração, aqui iremos tratar dos dois motivos distintos que levarão cada vez mais países a se envolverem com a mineração de bitcoin: monetizar recursos naturais que estão ociosos e usar a mineração como hedge anti-sanções. A seguir, vamos explicar melhor cada um desses usos
Mineração de bitcoin como ferramenta de monetização de energia ociosa
A mineração de bitcoin funciona como uma ferramenta única para monetizar energia que, de outra forma, seria desperdiçada ou subutilizada. Este processo é particularmente valioso em situações onde existe excedente energético que não pode ser eficientemente armazenado ou transportado para centros consumidores, seja por limitações de infraestrutura de transmissão, distância geográfica ou variações sazonais na demanda. Por exemplo, usinas hidrelétricas durante períodos de alta vazão, campos de gás natural em locais remotos, energia solar em regiões com rede elétrica limitada, ou energia eólica durante períodos de baixo consumo podem direcionar seu excedente para a mineração de bitcoin, transformando energia que seria desperdiçada em um ativo digital globalmente negociável. Esta característica torna a mineração de bitcoin particularmente atraente para países com abundância energética mas acesso limitado a mercados consumidores, permitindo que convertam energia ociosa em valor financeiro independentemente de sua localização geográfica ou infraestrutura de transmissão. O reino do Butão é um ótimo exemplo dessa forma de utilização da mineração de bitcoin por países com excedente energético, como veremos a seguir.
O exemplo do Butão O Butão emergiu como um caso único na adoção de Bitcoin, acumulando aproximadamente 13.000 BTCs (equivalente a 30% de seu PIB) através de operações de mineração utilizando energia hidrelétrica 100% renovável. Sob a liderança do Rei Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, o país iniciou operações de mineração em 2019 e tem utilizado sua abundante energia para se posicionar estrategicamente no cenário global, sendo o único país CO2 negativo do mundo e que conta com a maior reserva de bitcoin em relação ao seu tamanho.
O plano estratégico do Butão de utilização do Bitcoin vai além da simples acumulação de reservas via monetização de energia excedente, mas se integra a um projeto mais amplo de modernização que inclui a construção da "Gelephu Mindfulness City", um centro de tecnologia e empreendedorismo. A iniciativa permite ao país desenvolver certa independência financeira da Índia, acessar moeda forte, desenvolver habilidades técnicas locais e atrair investimento estrangeiro. O país já implementou um sistema de identidade digital na blockchain Polygon e está desenvolvendo competências em mineração de bitcoin, demonstrando como a tecnologia pode ser utilizada para impulsionar o desenvolvimento socioeconômico enquanto mantém harmonia com suas tradições culturais e valores ambientais.
Mineração de bitcoin como hedge anti-sanções
A mineração de bitcoin emerge como uma ferramenta estratégica contra sanções econômicas internacionais por oferecer um mecanismo financeiro que opera fora do sistema bancário tradicional controlado pelos Estados Unidos. Quando um país enfrenta sanções que o excluem de sistemas como o SWIFT ou congelam suas reservas internacionais, a mineração de bitcoin surge como uma alternativa viável para este país manter sua liberdade de transação.
Como?
O que permite que um país seja excluído do SWIFT é a característica centralizada deste sistema de pagamentos internacionais. No caso da mineração de bitcoin, basta que o país que deseja se proteger de sanções que o impeçam de realizar transações detenha uma participação na hashrate da rede que ele conseguirá realizar suas transações. Isso ocorre porque são os mineradores que determinam quais transações entrarão nos blocos de mineração validadas e adicionadas à blockchain, então se um país tiver uma parcela da hashrate global, ele garante acesso ao sistema de pagamentos descentralizado conhecido como Bitcoin.
Por exemplo: mesmo se os Estados Unidos dominarem 80% da hashrate global do Bitcoin, caso a Rússia detenha somente 5% da hashrate, isso já significa que ela terá acesso a aproximadamente 5% dos blocos minerados. Então mesmo que os Estados Unidos tentam determinar que transações com moedas marcadas como russas não sejam aceitas por mineradores em suas jurisdições, essas transações seguirão sendo possíveis. Em outras palavras, um país realizar a mineração de bitcoin pode ser visto como ele garantindo o acesso a pelo menos alguns blocos por dia, o que o torna efetivamente incensurável/insansionável.
Além disso, o bitcoin minerado pode ser utilizado para facilitar comércio internacional, acessar moedas fortes ou manter reservas de valor fora do alcance de jurisdições estrangeiras. Com isso, a mineração de bitcoin oferece uma forma de soberania financeira que não pode ser facilmente bloqueada ou controlada por governos externos, desde que o país possua recursos energéticos e infraestrutura adequada para mineração. Rússia e Irã são dois países que ilustram bem essa forma de utilização da mineração de bitcoin como hedge contra sanções.
A Rússia tem utilizado o Bitcoin como uma ferramenta estratégica para contornar as sanções econômicas internacionais de várias maneiras. Após ser excluída do sistema SWIFT e ter suas reservas internacionais congeladas, o país adaptou-se rapidamente, tornando-se o segundo maior minerador de bitcoin do mundo, com capacidade de 1 gigawatt, atrás apenas dos Estados Unidos.
A estratégia russa na utilização da mineração de bitcoin se baseia em dois pilares principais: primeiro, a monetização de seu excesso de energia através da mineração de bitcoin, convertendo recursos energéticos que não podem mais ser vendidos tradicionalmente (devido às sanções) em um ativo digital global. Segundo, a utilização do Bitcoin como meio de pagamento internacional que não pode ser censurado ou bloqueado por governos estrangeiros, diferentemente do sistema bancário tradicional.
Esta adaptação tem se institucionalizado através de parcerias entre empresas estatais e mineradoras - como a colaboração entre a BitRiver e a Gazprom (uma espécie de Petrobrás russa) - e através do desenvolvimento de um marco regulatório pelo Banco Central russo que permite o uso de criptomoedas especificamente para transações de comércio exterior. Desta forma, a Rússia consegue manter parte de suas operações comerciais internacionais mesmo estando excluída do sistema financeiro tradicional, demonstrando como a rede de pagamentos descentralizada conhecida como Bitcoin pode funcionar como uma tecnologia de resiliência econômica em face de sanções internacionais.
O futuro da mineração de bitcoin nos países dos BRICS
O futuro dos BRICS e sua relação com os Estados Unidos e seus aliados permanece uma das grandes incógnitas da geopolítica contemporânea. A recente expansão do bloco, com a inclusão de países como Arábia Saudita, Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, sugere uma crescente influência do grupo no cenário internacional, especialmente em questões econômicas e comerciais.
A busca por alternativas ao dólar nas transações internacionais, o desenvolvimento de novas rotas comerciais e o fortalecimento de laços diplomáticos entre os membros indicam um movimento em direção a um mundo multipolar. No entanto, as complexas relações bilaterais de cada país membro com os EUA, as diferentes agendas políticas dentro do próprio bloco e as constantes mudanças no cenário global tornam impossível prever com certeza se prevalecerá um ambiente de competição acirrada ou se emergirá um novo modelo de cooperação internacional mais equilibrado. Apenas o tempo revelará como essa dinâmica entre os BRICS e o G7 se desenvolverá, e como isso moldará a ordem mundial nas próximas décadas.
Entretanto, uma coisa é certa: em qualquer um destes cenários futuros, a mineração de bitcoin seguirá emergindo como uma atividade estratégica para as nações dos BRICS, seja para se proteger de possíveis sanções, seja para monetizar a parcela ociosa de seus vastos recursos energéticos.
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